quinta-feira, 19 de maio de 2011

Cine em Cena: O Rei da Comédia (1983)

Apesar do título esse filme não é uma comédia comum. Nem das escraxadas, nem semelhante ao humor negro comum dos irmãos Coen. Alguns momentos levam sim a risos, mas só, nada demais. O grande erro que você pode cometer ao ver esse filme é se preparar para assistir uma comédia, e não apreciar a verdadeira reflexão que esta obra maravilhosa pode nos proporcionar. Com um humor negro bem peculiar, Scorcese constrói uma fabulosa sátira à cultura da fama e das celebridades norte-americanas.

O longa já inicia abordando o dilema que vive o famoso comediante Jerry Langford (interpretado por Jerry Lewis, inspirado por sua própria biografia): o terrível preço da fama, onde fãs mais fervorosos podem se tornar inimigos do sossego e da privacidade, e, em níveis mais delirantes, verdadeiras ameaças. Apesar de tudo isso, Jerry não é caricaturizado como vítima no filme, ele nos é apresentado como um personagem mais complexo e de certa forma incoerente, afinal o grande comediante é na verdade um poço de mau humor longe das câmeras e do grande público.

Rupert Pumpkin (Robert de Niro, em grande performance), um aspirante a comediante com uma auto-confiança tão grande que chega ser hilária. Apesar de ser um personagem complexo, poderia se encaixar no típico e caricato "chato sem noção". Sonhando se tornar o mais novo rei da comédia, ele faz de tudo pra ter uma chance no programa de TV do famoso Jerry, mas ele sequer tem o mínimo de experiência, a não ser para as "réplicas" de papelão do seu quarto. Esses ensaios alias nos rendem as sequências cinematográficas mais gêniais do filme, como a hora em que a câmera se afasta por trás enquanto Pumpkin apresenta seu número à platéia de papelão e ao fundo aquelas gargalhadas falsas dos programas de humor da TV, ou quando sua mãe o interrompe abruptamente durante uma entrevista fantasiosa com os papelões (é ai que descobrimos que o "rei da comédia" ainda mora com sua mãe).

Mas quem nunca ensaiou diálogos que nunca aconteceram, atire a primeira pedra. A diferença é que esses delírios parecem ser literalmente cotidianos para o personagem de De Niro o que provoca vários daqueles momentos tipicamente incovenientes com o astro Jerry, o qual ele acredita realmente ser um grande amigo seu. Flutuando entre a realidade-fantasia, suas loucuras parecem ficar piores com o desenvolver da trama (o que nos causa muitas vezes um sentimento de vergonha alheia pelo personagem) culminando num plano absurdo, saído das mentes doentias de Pumpkin e Marsha (Sandra Bernhard, na pele de uma irritante fã desequilibrada, rica e apaixonada por Jerry).

Digno de nota que Pumpkin se acha dono de um incrível talento para a comédia, mas só nos apresenta de fato seu "fantástico" número lá pelo final do filme, o que com certeza foi genialmente pensado por Scorsese, cultivando em nós espectadores uma curiosidade cada vez maior sobre a veracidade do talento de Pumpkin

O final fecha com maestria o tema abordado e deixa uma ácida crítica no ar, tanto à sociedade e à mídia, quanto a própria cultura americana. Assinado por uma das grandes parcerias ator-diretor da história do cinema (Scorsese e De Niro), apesar de ter sido um fracasso nas bilheterias, na minha modesta opinião é um dos melhores da dupla, apesar de ser extremamente complicado dizer isso de um diretor com tantos filmes excelentes no currículo.

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