Como todo profeta, sentiu também ele um chamamento divino que veio através de um acontecimento de grande densidade trágica:o incêndio do circo norte-americano em Niterói no dia 17 de dezembro de 1961 no qual foram calcinadas cerca de 400 pessoas. Era um empresário de transporte de cargas em Guadalupe e sentiu-se chamado para ser o consolador das famílias destas vítimas. Deixou tudo para trás e tomou um de seus caminhões e colocou sobre ele duas pipas de cem litros de vinho e lá junto às barcas em Niterói distribuía-o em pequenos copos de plástico dizendo:” quem quiser tomar vinho não precisa pagar nada, é só pedir por gentileza, é só dizer agradecido”.
De José da Trino, esse era seu nome, começou a se chamar José Agradecido ou Profeta Gentileza. Interpretou a queima do circo como um metáfora da queima do mundo assim como está organizado como um circo pelo “capeta-capital…que vende tudo, destrói tudo, destruindo a própria humanidade”. Segundo ele, devemos construir outro mundo a partir da Gentileza, o que ele fez em miniatura, transformando o local num belíssimo jardim, chamado “Paraiso Gentileza”. O quarto aplique de sua bata dizia:”Gentileza é o remédio de todos os males, amor e liberdade”. E fundamentava assim:”Deus-Pai é Gentileza que gera o Filho por Gentileza…Por isso, Gentileza gera Gentileza”. Ensinava com insistência: em lugar de “muito obrigado” devemos dizer “agradecido” e ao invés de “por favor” devemos usar “por gentileza” porque ninguém é obrigado a nada e devemos ser gentis uns para com os outros e relacionarmo-nos por amor e não por favor. Não é exatamente isso que o Rio de Janeiro está precisando?
A crítica da modernidade não é monopólio dos mestres do pensamento acadêmico como Freud com seu "O mal estar da civilização" ou a "Escola de Frankfurt", Horkheimer com seu "O eclipse da razão", Habermas com o seu "Conhecimento e interesse" ou mesmo toda a produção filosófica do Heidegger tardio. O Profeta Gentileza, representante do pensamento popular e cordial, chegou à mesma conclusão que aqueles mestres. Mas foi mais certeiro que eles ao propor a alternativa: a Gentileza como irradiação do cuidado e da ternura essencial. Esse paradigma tem mais chance de nos humanizar do que aquele que ardeu no circo de Niterói: o espírito de gentileza, o saber como poder e o poder como dominação sobre os outros e a natureza.
Texto de Leonardo Boff.