quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Sociedade Democrática


sexta-feira, 7 de outubro de 2011

À Flor da Pele

O vento invadia a sala com seu canto assobiado pelas frestas da janela semi-fechada. Lá fora o mundo se acabava em água, a chuva lavava os pecados daquela cidadela profana.

A vida passava diante de seus olhos, delicados e profundos como o cálice de uma flor, fixados no horizonte além da janela embassada; à espera dele, enquanto perfumava aqueles aposentos com a sua presença, um apartamento frio e solitário do primeiro andar.

A tempestade ainda castigava a cidade, mas parecia aos poucos acalmar. O mar, só no horizonte tão, tão longe e o Sol atrás das nuvens continuava a se abrigar. Sua pele, mesmo glabra, não hesitava arrepiar diante das memórias esparsas daquele que cuidava, amava e antes de tudo existia: Qual fora a última vez que vieste regá-la? Tão seca, nem sequer uma lágrima de tristeza podia se dar ao luxo de derramar. Cessa a chuva. A rua molhada reflete o céu, destino indefectível da viúva abandonada a própria sorte, aprisionada no próprio lar.

O sino da Igreja já batia, anunciando o fim (da tarde). Quantos minutos mais podia durar, a flor que agora em seus momentos finais só sabia amar? Tão forte o simbolismo dessa rosa sentimental só podia culminar num quadro surreal. O Pôr do Sol, a flor caridosa, o amor de uma rosa, a morte e o final.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Marcelo Camelo - Santa Chuva

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O Trânsito "Nosso" de Cada Dia...

Para quem quer se comportar como a Classe Média brasileira, um ótimo ambiente de observação é o trânsito de nossas grandes cidades. Ali podemos estudar, por imersão total e com riqueza de detalhes, os valores deste peculiar grupo social.

O médio-classista encara o trânsito como se fosse uma grande batalha em defesa do seu direito individual prioritário de ir e vir, o que significa que cada indivíduo da Classe, no trânsito, tem prioridade um sobre o outro e vice-versa (numa estranha equação ainda não resolvida pela matemática). E todos têm prioridade sobre os pedestres (este ponto já é bem mais fácil de entender).

Para encarar o trânsito, cada cidadão da Classe deve estar equipado com seu carro. Se uma moradia médio-classista possui, por exemplo, 4 habitantes em idade para serem condutores, o ideal é que ali haja 4 carros. O carro é uma importante propriedade desses cidadãos, e seu interior é seu mundo particular, uma extensão de sua casa sobre rodas. Por isso, o carro para este público precisa ser equipado com "insulfim", equipamento de som, ar-condicionado e lugar para no mínimo cinco passageiros (para levar objetos e peças de vestuário, uma vez que raramente o carro do médio-classista trafega com mais de uma pessoa além do motorista). Tudo isso garante que o que realmente importa (o mundo particular do condutor) esteja muito agradável, a fim de evitar o contato com o mundo exterior, totalmente desprezível. Para este, há um mecanismo de comunicação denominado buzina.

Você, aprendiz de médio-classista, precisa aprender que, para ser da Classe, é necessário se revoltar com as atuais condições do trânsito. Assim, no seu papel de cidadão politizado e pagador de impostos, deve exigir das autoridades que abram espaço na cidade para mais carros. Que desapropriem, botem a cidade abaixo, mas garantam a duplicação das vias até resolver o problema (o que provavelmente será quando a cidade for um grande plano de asfalto). Fique revoltado também pelo fato de o Governo se preocupar mais em, violentamente, coibir seu direito sagrado de ingerir álcool, do que abrir mais acessos pro seu carro trafegar mais rápido.

Também é preciso aprender a se comportar neste ambiente. Se você quiser se parecer realmente com alguém da Classe, ande sempre na frente dos outros. Se alguém sinalizar que quer mudar de faixa e ficar à sua frente, mesmo que você esteja um pouco longe, acelere loucamente para passar à frente dele antes que ele realize a manobra. Logo, sabendo que todos agirão assim, dispense o uso da seta (pode até pedir o mecânico para desativar a sua). Você não tem que dar satisfações sobre pra que lado vai virar ou se quer ou não mudar de faixa.

Portanto, aspirante, o primeiríssimo passo para entrar na Classe é abandonar o transporte coletivo, o metrô e até mesmo a bicicleta (esta somente pode ser usada para lazer, e mesmo assim, deve ser transportada de carro até o local do uso). No transporte coletivo você está num espaço público, sujeito a ficar perto de pobres e nada ali é "só seu". É muito melhor que você trafegue dentro de sua bolha de vidro e metal, "privatizando" (aprenda a adorar esta palavra) cerca de 10m² do espaço público, com uma máquina de 1000kg que queimará petróleo para transportar uma pessoa de 70kg, a fim de garantir seu merecido bem-estar até seu destino. Você tem direito, você é da Classe Média.

Via: Classe Média Way of Life