Para quem quer se comportar como a Classe Média brasileira, um ótimo
ambiente de observação é o trânsito de nossas grandes cidades. Ali
podemos estudar, por imersão total e com riqueza de detalhes, os valores
deste peculiar grupo social.
O médio-classista encara o trânsito como se fosse uma grande batalha em defesa do seu
direito individual prioritário de
ir e vir, o que significa que cada indivíduo da Classe, no trânsito,
tem prioridade um sobre o outro e vice-versa (numa estranha equação
ainda não resolvida pela matemática). E todos têm prioridade sobre os
pedestres (este ponto já é bem mais fácil de entender).
Para
encarar o trânsito, cada cidadão da Classe deve estar equipado com seu
carro. Se uma moradia médio-classista possui, por exemplo, 4 habitantes
em idade para serem condutores, o ideal é que ali haja 4 carros. O
carro é uma importante propriedade desses cidadãos, e seu interior é seu
mundo particular, uma extensão de sua casa sobre rodas. Por isso, o
carro para este público precisa ser equipado com "insulfim", equipamento
de som, ar-condicionado e lugar para no mínimo cinco passageiros (para
levar objetos e peças de vestuário, uma vez que raramente o carro do
médio-classista trafega com mais de uma pessoa além do motorista). Tudo
isso garante que o que realmente importa (o mundo particular do
condutor) esteja muito agradável, a fim de evitar o contato com o mundo
exterior, totalmente desprezível. Para este, há um mecanismo de
comunicação denominado buzina.
Você, aprendiz de médio-classista,
precisa aprender que, para ser da Classe, é necessário se revoltar com
as atuais condições do trânsito. Assim, no seu papel de cidadão
politizado e pagador de impostos, deve exigir das autoridades que abram
espaço na cidade para mais carros. Que desapropriem, botem a cidade
abaixo, mas garantam a duplicação das vias até resolver o problema (o
que provavelmente será quando a cidade for um grande plano de asfalto).
Fique revoltado também pelo fato de o Governo se preocupar mais em,
violentamente, coibir seu direito sagrado de ingerir álcool, do que
abrir mais acessos pro seu carro trafegar mais rápido.
Também é
preciso aprender a se comportar neste ambiente. Se você quiser se
parecer realmente com alguém da Classe, ande sempre na frente dos
outros. Se alguém sinalizar que quer mudar de faixa e ficar à sua
frente, mesmo que você esteja um pouco longe, acelere loucamente para
passar à frente dele antes que ele realize a manobra. Logo, sabendo que
todos agirão assim, dispense o uso da seta (pode até pedir o mecânico
para desativar a sua). Você não tem que dar satisfações sobre pra que
lado vai virar ou se quer ou não mudar de faixa.
Portanto,
aspirante, o primeiríssimo passo para entrar na Classe é abandonar o
transporte coletivo, o metrô e até mesmo a bicicleta (esta somente pode
ser usada para lazer, e mesmo assim, deve ser transportada de carro até o
local do uso). No transporte coletivo você está num espaço público,
sujeito a ficar perto de pobres e nada ali é "só seu". É muito melhor
que você trafegue dentro de sua bolha de vidro e metal, "privatizando"
(aprenda a adorar esta palavra) cerca de 10m² do espaço público, com uma
máquina de 1000kg que queimará petróleo para transportar uma pessoa de
70kg, a fim de garantir seu merecido bem-estar até seu destino.
Você tem direito, você é da Classe Média.
Via:
Classe Média Way of Life